CPI da Dí­vida Pública: entrevista com Maria Lucia Fatorelli

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CPI da Dívida Pública – tão importante que você provavelmente nunca ouviu falar dela

Como foi o caminho até a instalaçãoda CPI?

Para conseguir uma CPI, é preciso conseguir a assinatura de pelo menos dois terços dos membros. E a gente já tinha conseguido essas assinaturas durante três legislaturas, desde o início da década de 2000.

 

Conseguíamos, acabava a legislatura, a CPI não era instalada. De novo, e de novo. Pela terceira vez a gente tinha coletado as assinaturas e o requerimento era do deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Já tínhamos mais de dois terços e reclamamos: por que o requerimento não era lido, se já estava lá para ser lido há tanto tempo? Nessa reunião ele prometeu que leria.

 

De fato, no dia 8 de dezembro de 2008, foi lido o requerimento. Mas foi uma coisa inesperada para o Governo, para os outros partidos políticos, que não queriam investigar a dívida.

 

Uma CPI é criada a partir da leitura do requerimento em plenário. Depois, cada partido tem que indicar seus membros para a CPI. Há várias regras, dependendo do tamanho do partido, pode indicar um, dois ou três membros. Só que nenhum partido indicava seus membros. Muitos meses passaram, e os membros só foram indicados em agosto, depois de nove meses. Mesmo assim, só porque a gente conseguiu localizar um parecer do Michel Temer, então deputado. Ele tinha sido advogado de partidos, e nós encontramos um parecer dele  de quando era advogado, num caso idêntico de uma CPI que fora criada e cujos membros nunca eram indicados pelos partidos. No parecer, afirmava que isso era um tipo de boicote, que se isso acontecer cabe ao Supremo indicar os membros.

 

Colocamos esse parecer na mão do Ivan Valente, que leu num dia em que Michel Temer estava presidindo a sessão. Cada parágrafo que ele lia, destacava: o senhor que escreveu isso aqui. Ele foi ficando vermelho, mandou o Ivan Valente parar e disse que dava dez dias para os partidos indicarem, senão eu vou indicar, não vamos passar por este vexame na minha presidência de ter o Supremo indicando os membros. Talvez se não fosse esse parecer essa CPI tivesse caducado.

 

Isso ilustra que não havia vontade política de nenhum partido político, só indicaram os membros diante dessa saia justa. A CPI foi efetivamente instalada em agosto de 2009. Da criação até a instalação foram nove meses, uma gestação. Fui requisitada pela CPI junto ao Ministério da Fazenda para assessorar os trabalhos – na época estava na ativa como auditora fiscal.

 

O presidente da CPI era o Deputado Virgilio Guimarães (PT-MG). A CPI tinha que formar uma equipe. O Equador, que tem uma economia 40 vezes menor do que a do Brasil, e uma dívida também muito menor, tinha uma equipe de 50 pessoas trabalhando na auditoria. Aqui, eu mesma sugeri nomes de pessoas para serem requisitadas, mas os membros alegavam muitas dificuldades para formar uma equipe. Por fim, dois meses depois, conseguimos a requisição de um auditor da Caixa Econômica, que era excelente auditor, mas sem experiência na questão da dívida pública, dois agentes administrativos do Ministério Público e uma da Funasa. Essa era a nossa equipe.

 

Percebia-se claramente que queriam era enrolar e que a gente não chegasse a lugar nenhum, até para dizer depois: não precisa fazer auditoria nenhuma. Então tínhamos que virar tudo do avesso para apresentar um bom trabalho e dar continuidade. Foram dez meses de trabalho incessante.

 

Conseguimos entregar um relatório de mil páginas, composto por oito análises que chamamos de preliminares, pois os relatórios de uma CPI só quem pode fazer são os parlamentares. Também preliminar porque a cada momento chegavam documentos novos que redirecionavam nosso trabalho.

 

A Constituição Federal, no artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, afirma: “No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”.

 

Fonte: ONG Auditoria Cidadã da Dívida

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